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10 de maio de 2010

Livro de horas - Miguel Torga



"Aqui, diante de mim,
eu, pecador, me confesso
de ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
que vão ao leme da nau
nesta deriva em que vou.

Me confesso
possesso
das virtudes teologais,
que são três,

e dos pecados mortais,
que são sete,
quando a terra não repete
que são mais.

Me confesso
o dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
e o das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo andanças
do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
e luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
que atira setas acima
e abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser homem.
De ser um anjo caído
do tal céu que Deus governa;
de ser um monstro saído
do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
para dizer que sou eu
aqui, diante de mim! "

"Livro de Horas", Miguel Torga

Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia Rocha, (São Martinho de Anta, Vila Real, 12 de Agosto de 1907 — Coimbra, 17 de Janeiro de 1995) foi um dos mais importantes escritores portugueses do século XX, considerado, por alguns, o poeta português mais importante do século XX.

5 comentários:

Miguel Gonçalves disse...

Já li isso algures. É um belo poema, nem todos têm sensibilidade para o apreciar.
Bjs.

Unknown disse...

Obrigada pelo comentário.. vais seguir atento o meu blogue?... Beijos

Unknown disse...

O poema é lindo... e Miguel Torga é um dos meus poetas preferidos!

Beijinhos grandes

Ana Cláudia Alves disse...

Brilhante!
Belíssima escolha!

DS disse...

Lindíssimo poema, não existe mais bela forma de se confessar.

Beijinhos imensos!